18/02/2010

A Quaresma pela pequena via‏



Viver a Quaresma pela pequena via significa estar repleto do desejo de fazer pequenos sacrifícios inflamados pelo amor do coração de Cristo no mundo.

Certo ano, quando ainda era um jovem clérigo anglicano, decidi tomar a Quaresma realmente a sério. No quintal da casa em que vivia na Inglaterra havia uma casinha para passar as tardes quentes de verão – um pequeno e agradável abrigo com janelas e porta no qual se pode tomar um chá ou ler nos dias de verão. Pois bem: decidi que dormiria naquela casinha nos dias frios de fevereiro e março. Também resolvi abster-me de carne. Completamente. Para completar o meu estilo eremita, deixei a barba crescer.

Logo a paróquia toda ficou sabendo das asperezas a que o seu jovem cura se submetia: a reação dos jovens foi a admiração, enquanto os mais velhos e mais sábios preocupavam-se com a possibilidade de eu estar apenas “querendo aparecer”.

Foi uma experiência alegre e austera. Graças a ela, aprendi muito sobre mim e sobre a vida ascética e a sua relação com a oração e a vida espiritual. Jamais desencorajaria alguém que quisesse viver a Quaresma dessa maneira. Mas aprendi de Santa Teresa de Lisieux que também há uma pequena via para atravessar a Quaresma.

Teresa possuía uma inclinação juvenil pelos feitos heroicos. Queria ser uma valente guerreira por Cristo. Há uma bonita foto dela vestida de armadura como Joana d’Arc. Na fotografia, estão as seguintes palavras escritas pela santa: “Vesti-me com o peitoral do Onipotente e Ele armou-me com a força dos seus braços. Daqui para frente, nenhum terror pode ferir-me, pois quem me poderá separar do amor dEle? Ao seu lado, avanço no campo de batalha, sem temer o fogo nem o aço; meus inimigos descobrirão que eu sou uma rainha e a noiva de um Rei”. Noutro lugar, Teresa diz: “Anseio por levar a cabo os feitos mais heroicos; sinto a coragem de um cruzado dentro de mim. Seria capaz de morrer num campo de batalha em defesa da Igreja!”

“Precisas ser um santo por inteiro ou não serás santo de verdade!”, era o seu grito de guerra. E no leito de morte, ela dirá: “Morrerei empunhando minhas armas!”

E, no entanto, essa alma nobre deu-se conta de não ter as condições e as circunstâncias necessárias para ser um Francisco Xavier ou um Inácio de Loyola. Estava enclausurada num convento com mulheres burguesas. Era uma garotinha e uma garotinha doente.

Teresa espantou-se ao descobrir o misterioso segredo da pequena via. Lendo o capítulo 13 da Epístola de São Paulo aos Coríntios, percebeu que o amor é o coração ardente da Igreja e que a sua vocação era amar.

No capítulo 11 do seu livro História de uma alma, relata a sua experiência: “A Caridade deu-me a chave da minha vocação. Compreendi que se a Igreja tem um corpo, composto de diversos membros, o mais necessário, o mais nobre de todos não lhe falta. Compreendi que a Igreja tem um coração e que esse coração arde de amor. Compreendi que só o Amor leva os membros da Igreja a agir, que se o Amor viesse a extinguir-se os apóstolos não anunciariam mais o Evangelho, os mártires negar-se-iam a derramar o sangue... Compreendi que o Amor abrangia todas as vocações, que o Amor era tudo, abrangia todos os tempos e todos os lugares... numa palavra, que ele é Eterno!...”

Ela deu-se conta de que todos os feitos heroicos feitos sem amor nada valem. E escreve: “Sabes suficientemente bem que Nosso Senhor não olha tanto para a grandeza das nossas ações nem para o seu grau de dificuldade, mas para o amor com que as fazemos”.


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A consequencia lógica disso é que as menores ações, quando feitas com a força do amor, se tornam grandes aos olhos de Deus. E essa doutorinha da Igreja nos ensina: “Nosso Senhor não precisa dos nossos grandes feitos nem dos nossos pensamentos profundos; nem de inteligência ou talentos. Ele dá valor à simplicidade”. A pequena via da Quaresma é repleta do desejo de fazer pequenos sacrifícios que estejam inflamados pelo Amor do Coração de Cristo no mundo.

Se decidirmos tomar a pequena via na Quaresma, a nossa oração será simplesmente compartilhar o dom do Amor divino descoberto por Teresa. Oferecido esse dom, os pequenos sacrifícios que fazemos tornam-se coisas pequenas mas preciosíssimas. São joias cintilantes de bondade que brilham ao refletir o fogo do Amor divino.

Teresinha disse que era isso que a movia nos tempos de dificuldade. Escreve a santa numa carta à sua irmã Céline: “Quando estou em aridez, isto é, incapaz de rezar e praticar a virtude, busco então pequeninas ocasiões de agradar a Jesus; por exemplo: um sorriso, uma palavra amável num momento em que desejasse calar ou mostrar-me aborrecida, etc. Se me faltam essas ocasiões, procuro ao menos repetir-lhe muitas vezes que O amo. Não é difícil e mantém vivo o fogo no meu coração. Mesmo quando essa fogueira de amor parecer extinta, atirarei nela alguns ramos secos, certa de que reacenderá”.

Alguns ficam preocupados com a ideia de que essa “pequena via” seria de fato uma “via fácil”. Noutras palavras: seria uma contemporização. A pequena via é simples, mas não é fácil. É simples porque está totalmente apoiada na graça de Deus e no seu dom de Amor divino às nossas vidas. Não é fácil porque para recebermos o dom da graça e da pureza precisamos purificar a nossa vida e abrir mão de tudo em favor dele.

O nome religioso assumido por Teresa na Ordem do Carmo era “Teresa do Menino Jesus e da Santa Face”; e assim como mudou de nome, mudou de natureza. Ela oferece-nos um caminho infantil para chegarmos a Deus – um caminho que contempla a face de Cristo, pela qual recebemos o dom do Amor.

É esse dom que transforma todas as nossas ações – preenchendo as nossas vidas com amor e tornando a nossa pequena via para a Quaresma uma preparação adequada para a o Triunfo pascal. Nasceu nos Estados Unidos, mas passou a maior parte da vida na Inglaterra, onde estudou teologia na Universidade de Oxford e onde tornou-se clérigo anglicano. Em 1995, converteu-se, juntamente com a sua família, à fé católica. Depois da conversão, passou a escrever sobre diversos temas da fé católica, publicando livros e artigos em revistas. Em 2006, pode ser ordenado sacerdote católico, sob a provisão especial para ex-clérigos anglicanos casados. Desde então, voltou ao país natal, onde é capelão da Saint Joseph’s Catholic School, em Greenville, na Carolina do Sul.

Fonte: National Catholic Register
Link: http://www.ncregister.com/site/article/a_little_way_through_lent/
Tradução: Cristian Clemente

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- Os sofrimentos morais de Nosso Senhor na Paixão, de John Henry Newman

Livros Relacionados:

- “Pequena via” para Deus, A, de Santa Teresa do menino Jesus
- Cruz de Cristo, A, de Francisco Fernández-Carvajal
- Falar com Deus - Tomo II, de Francisco Fernández-Carvajal
- Por que mortificar-se?, de Luiz Fernando Cintra
- Teresa de Lisieux, de Henri Ghéon

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